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“A Primeira Mordida: O Doce Engano das Azeitonas Verdes”

Aos poucos a claridade dos raios solares começava a surgir nos horizontes, entre baixos morros e ondulações dos cerrados sabiamente desenhados pela natureza. Manso, calmo e como uma cobra de vidro serpenteando entre os vales corria o ribeirão Matão, próximo à confluência com o córrego Buritizal.
Também, vindo do lado do sol nascente, ficava o pomar da fazenda, cercado de lascas de aroeira, fincadas de pé, que não deixavam vão para os porcos, galinhas e outros animais. O pomar continha plantas frutíferas normais como goiaba, laranja, mexerica, amora, caju e manga, além de tantas outras.
Além disso, havia no pomar, também pés de frutas nativas do cerrado tropical, como mangaba, croada, ariticum gigante, bem como cajuzinho e abacaxi silvestres.
Do lado da pindaíba, onde as fileiras de buritis simulavam uma grande procissão verde, vinha o rego de água, que começava na mais alta cabeceira, numa distância de setecentas braças e margeava a pindaíba, ao lado dos arbustos baixos e moitas de gravatás e morrinhos de areia de formigueiros de formigas cabeçudas, quem-quem e mais próximo da casa as incômodas formigas lava-pés.
A água descia, atingia o quintal, entrava na bica, um longo cocho de madeira de lei, de vinte a trinta metros, até cair no monjolo, que, indiferente ao mundo, marcava o seu tempo sincronizado, onde eram limpados e descascados arroz, café, milho para canjica, carne para paçoca salgada e outras criatividades dos sertanejos jamais imaginadas pelos homens de hoje.
Na frente, o grande gramado, o mangueiro e o corredor que levava aos pastos das bandas do ribeirão Fortuna.
Naquele cenário morava uma humilde, mas grande família, composta do casal Manelão e Maria Domingas, além dos onze filhos: sete mulheres e quatro homens. Família “da fazenda”, pouco estudo, quase todos xucros em termos de conhecimento e leitura, mas inteligentes e perspicazes na sabedoria popular.
Além do gado, que dava carne, leite, queijo, requeijão, doces e outros derivados, tinha uma manada de galinha que dava ovos para os bolos e carne para a alimentação. O chiqueiro no fundo do quintal abrigava os porcos de engorda, que produziam carne e banha para o consumo. As pequenas roças produziam os alimentos de grãos: arroz, milho, feijão, café e também leguminosas e frutas. Fartura geral na fazenda Pontal dos Buritis.
Manelão, uma vez por mês ia até a cidade. Comprava sal, erva-mate e açúcar, para consumo familiar, pois o melado e a rapadura, às vezes, não eram adequados ao preparo de algumas alimentações. Na cidade, Manelão viu os filhos do comerciante comendo uma frutinha verde, meio ovular. Observou as crianças até brigando pelas frutinhas, que concluiu tratar-se de frutas doces, servidas após as refeições.
Na hora da compra decidiu levar algumas latas daquele doce verde. Família grande, pegou cinco latas de um litro de doce e todo garboso voltou para a fazenda trazendo a novidade para a família, que entusiasmada e ansiosa esperava o próximo domingo para comer aquela coisa diferente naquele mundão de meu Deus.
Enfim, chegou o esperado domingo. Frango com guariroba, arroz, feijão, molho de moranga e ovos fritos. Não tinha doce de fábrica própria, pois seriam comidas as vistosas frutinhas verdes, que por sinal, na ideia de todos seriam doces saborosos.Terminado o almoço, Manelão, como um condecorado general comandante de uma tropa de elite, determinou a Maria Domingas que pegasse o doce para a família comer.
Abriram a lata, puseram o conteúdo na tigela esmaltada, usada somente em dias de festas, já que fora presente de casamento, com mais de trinta anos e ainda novinha, novinha…
Serviram o doce numa tigelinha de louça e entregaram como de costume, para o filho Tico, o mais novo, comer primeiro. Tico tinha mais ou menos cinco anos.
Sob os olhares gulosos e curiosos de todos os familiares, com toda pompa e orgulho de ser o preferido da família, Tico levou o primeiro docinho à boca, acompanhado de um caldinho. Pôs na boca, saboreou e para susto de todos os presentes Tico cuspiu tudo sobre a mesa e chorando saiu correndo para lavar a boca no rego d’água.
Assustado, não só Manelão como toda a família saiu em disparada carreira para a bica d’água, gritando o nome de Tico.
Refeitos do susto, voltaram à mesa e com um misto de receio e até medo, olhavam desconfiados para a lata de docinho de frutas verdes. Olharam de longe, até que o filho mais velho, na sua experiência e vivência de trinta e dois anos leu o rótulo da lata de doce: azeitonas verdes. Também coube a ele, Benedito, o filho que descobriu o nome do doce, provar o produto e transmitir o sabor aos demais familiares.
Assim, aquela família descobriu que azeitona não é doce.
Hoje, os mais novos da família contam essa história em tom de zombaria e gozação.
E o Tico? Até hoje, apesar de homem maduro, sente horror quando fica frente a frente com qualquer fruta de tonalidade verde. Jamais voltou a colocar azeitona na boca. Fim.
Autor: Etevaldo Vieira de Oliveira
E-mail: advogadodretevaldo@hotmail.com
Foto: Ilustrativa/Arquivo familiar-Direitos exclusivos/Etevaldo Vieira (1927) – Não use sem autorização do Autor.

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