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Disputa pela Eldorado Celulose reacende debate sobre terras em mãos de estrangeiros

Ao solicitar a anulação da compra da Eldorado Celulose pela Paper Excellence, o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) reacendeu a discussão sobre a flexibilização (ou não) da compra de terras no Brasil por pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras.

O órgão determinou que fosse comunicado à Junta Comercial de São Paulo e à CVM (Comissão de Valores Mobiliários) “para ciência da decisão que vier a ser adotada, para as providências cabíveis dentro da sua esfera de competência a fim de evitar a formalização do negócio”, diz o documento do final do ano passado, assinado por João Batista Queiroz Eudociak e Paulo Roberto Lucca, analistas em reforma e desenvolvimento agrário.

A Eldorado tem em seu nome 11 matrículas de imóveis (terrenos) em Aparecida de Taboado, Inocência, Selvíria e Três Lagoas, todos no Mato Grosso do Sul.

A empresa foi comprada pela Paper, associação de companhias de origem canadense e malásia. O dono é indonésio. A negociação foi selada em 2017 com a brasileira J&F. Desde então, as duas estão na Justiça por causa da transferência do controle acionário.

O Incra argumentou que, segundo a legislação vigente, a mudança de dono, por envolver terras, teria de receber o aval do Instituto ou do Congresso Nacional.

Segundo levantamento da Redirection International, empresa especializada em desenvolvimento corporativo, nos últimos cinco anos aconteceram 150 operações de fusão e compra de empresas estrangeiras no país que podem ser influenciadas pela nota técnica publicada pelo Incra. Os setores mais atingidos seriam os de energia e mineração.

Na área de energia, foram 58 operações movimentando R$ 124 bilhões. A mineração totalizou R$ 29 bilhões em 58 negociações.

Nos 10 maiores investidores em parque eólicos no Rio Grande do Norte, o estado com maior potência gerada no Brasil, seis são controlados por estrangeiros: EDP Renovável Brasil (portuguesa com participação chinesa), Voltalia (francesa), CPFL (brasileira com controlador chinês), AES (americana), Engie (franco-belga) e Neoenergia (espanhola).

“Há no Mato Grosso do Sul municípios com mais de 30% de terras nas mãos de estrangeiros. Há grandes produtores no estado. A discussão que precisa ser feita é como foram autorizados os registros dessas vendas ou arrendamentos. Os contratos são registrados em cartórios.

Há investimentos bilionários em Inocência e Ribas do Rio Pardo”, afirma Lucas Brenner, advogado especialista em questões de terras e rurais.

O Incra cita lei 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, que diz ser função do Congresso Nacional autorizar aquisição ou arrendamento por estrangeiros em área superior a 100 módulos de exploração indefinida.

Trata-se de uma unidade de medida que varia entre 5 e 100 hectares, a depender da zona de localização do município e é usada no processo de aquisição de terras por estrangeiros.

“Esse caso explicitou um componente complicado, que é o efeito sistêmico. Às vezes, a empresa nem opera os imóveis que têm, o interesse é indireto. Anular a opção societária com base nesse fundamento coloca em xeque muitas operações. Existe uma insegurança jurídica para o investidor e para oportunismo concorrencial”, afirma o advogado Francisco Godoy, especialista em direito agrário, crítico da iniciativa do Incra.

Projeto de lei apresentado pelo senador Irajá (PSD-TO) quer flexibilizar a compra de terras no país por estrangeiros. O texto já foi aprovado pelo Senado, mas está parado desde 2020 na Câmara dos Deputados.

“Eu vejo com muita preocupação pessoas que têm algum tipo de preconceito com investimento nacional ou internacional. Se respeita nossa soberania, as leis trabalhistas e o nosso arcabouço tributário, não há sentido segregar. É um tema ultrapassado”, afirma ele.

“O texto da lei é até conservador, mas aumenta a área. Do jeito que está hoje, um estrangeiro pode comprar todos os prédios da avenida Paulista, mas não pode comprar uma propriedade rural. Isso não tem sentido.”

Há também duas ações pendentes no STF (Supremo Tribunal Federal) referentes ao tema. A AGU (Advocacia Geral da União) emitiu três pareceres diferentes. Dois favoráveis à flexibilização e o último, mantendo as restrições.

“Há necessidade de uma definição da interpretação para garantir a segurança jurídica. Não há dúvida que é preciso monitorar a aquisição de terras por estrangeiros, lembrando que o estado, ao regular este mercado, vai afetar investimentos no setor agropecuário, em especial nos estados em que a economia depende desse segmento”, lembra o advogado Paulo Puttini Mendes, especialista em direito agrário e ambiental.

 

FOLHAPRESS

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