“Do Suuuuul”. A constante correção do nome de Mato Grosso do Sul sai fácil de qualquer morador quando o Estado é confundido com Mato Grosso. Parentes, amigos e até novelas fazem confusão e se atrapalham na hora de distinguir as duas regiões que foram separadas há 45 anos. Mas agora, apelido que entrou em vigor nesta quarta-feira (27) tenta resolver a saia justa antiga entre os dois estados.
Por exemplo, na exibição do episódio de 21 de janeiro de 2011 da novela Insensato Coração, a conversa entre os personagens de Pedro (Eriberto Leão) e Luciana (Fernanda Machado), deu a entender que Bonito, a 297 km de Campo Grande, ficaria em Mato Grosso.
E qual seria a solução para esse problema? Mudar o nome ou dar um apelido a Mato Grosso do Sul? No começo dos anos 2000 foi estudada a possibilidade de mudar o nome para “Estado do Pantanal”. Foram feitos até estudos sobre a viabilidade jurídica, mas o projeto não foi para frente na época (mais detalhes abaixo).
Já em 2023, o mesmo nome é resgatado no Projeto de Lei 160/2023, que propõe o ‘apelido’ de Estado do Pantanal a Mato Grosso do Sul. O texto que tramitou na Alems (Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul) foi sancionado pelo governador em exercício, Gerson Claro (PP), nesta quarta-feira (27).
Agora, passará a constar “O Estado do Pantanal” abaixo do logotipo do Governo do Estado, ao lado direito do Brasão de Armas.
O texto apresentado pelo deputado estadual Junior Mochi (MDB) visa acrescentar o inciso III ao Art. 2º da Lei 4.702, de 15 de 27 de julho de 2015, que institui a identificação Visual do Governo do Estado do Mato Grosso do Sul.
No PL é argumentado que a maior parte do Pantanal fica em Mato Grosso do Sul e exalta a biodiversidade biológica, o que atrai turistas e pesquisadores para o Estado. O texto ainda coloca o Pantanal como fonte de economia e renda, com turismo, pesca esportiva e pecuária extensiva.
A sustentabilidade é um outro ponto de argumento para a adoção do cognome, já que promoveria conscientização ambiental sobre a importância da preservação do bioma.
“A sua conservação contribui para a manutenção da biodiversidade, dos recursos hídricos e dos serviços ecossistêmicos, além de fortalecer a imagem do Mato Grosso do Sul como um estado comprometido com a sustentabilidade”, diz o PL.
Sobre a imagem de Mato Grosso do Sul, é dito que ao promover a marca Pantanal, o Estado se torna atraente para investimentos, eventos e parcerias comerciais, “e contribui para a criação de uma imagem positiva e distintiva, estimulando o desenvolvimento de outros setores, além do turismo”, argumenta.
O que precisa para mudar o nome ou apelido de MS?
A sessão solene que marcou o início das atividades parlamentares na Alems, em 15 de fevereiro de 2011, foi marcada por discussões sobre a realização de um plebiscito para a mudança de nome do Estado após a gafe cometida na novela mencionada no início da reportagem.
O assunto também circulou na Câmara Municipal de Campo Grande. Na época, políticos das duas casas de leis apresentaram argumentos favoráveis e contra sobre o plebiscito e alteração de nome. O nome “Estado do Pantanal” também foi defendido por alguns parlamentares.
O advogado constitucionalista André Borges, foi responsável pela elaboração de um parecer sobre a alteração do nome do Estado de Mato Grosso do Sul solicitado pela PGE-MS (Procuradoria-Geral do Estado), em fevereiro de 2000.
No parecer, o advogado expõe que na Constituição Federal não há referências sobre a competência para alteração de nome das unidades federadas, “fica claro que este tema pertence a cada uma das entidades”, diz o texto.
Na conclusão, é exposto que a alteração de nome do Estado poderia ser viável juridicamente por meio de apresentação de Projeto de Emenda à Constituição Estadual visando essa alteração.
No parecer da época também foi dito que, em termos jurídicos, não é obrigatória a realização de plebiscito, pois não é exigida pelas Constituições Federal e Estadual, “tratando-se de questão meramente política”.
Vinte e três anos depois, o advogado André Borges se diz favorável à aprovação do projeto de lei que visa dar o apelido de “Estado do Pantanal” a Mato Grosso do Sul. Ele relembra que, na época do parecer, a mudança de nome não foi para frente por falta de apoio político.
Ele explica que a aprovação do apelido é um processo mais simples porque pode ser feito por meio de Projeto de Lei, enquanto a troca de nome precisaria de uma Emenda à Constituição do Estado, que prevalece em face da Lei Complementar da época da divisão em 1977.
“Trata-se do início de uma discussão importante: mudar o nome do Estado e acabar com persistentes confusões. No governo do Zeca do PT isso quase avançou. Emiti parecer a pedido do então procurador-geral do estado, Wilson Loubet. A Constituição garante autonomia aos Estados. Característica importante dessa autonomia é o nome, que pode ser trocado […] Por ora, a criação do apelido já seria um avanço”, afirma o advogado.
Historiadores divergem sobre mudança de nome
Historiadores especialistas na história de Mato Grosso do Sul divergem sobre a mudança de nome ou de até apelido para o Estado.
Eronildo Barbosa relembra que acompanhou as reuniões sobre o tema na época do primeiro mandato do então governador Zeca do PT (1998-2002).
O historiador recorda que, na época, algumas pessoas foram contra com o argumento que o nome “Estado do Pantanal” seria na realidade uma forma de falar “Estado do PT”.
“A sociedade não encampou, o Zeca queria, aí falaram que seria o Estado do PT e se criou lá um entrave ideológico e o negócio não foi para frente”, relembra Eronildo.
O historiador relembra que outro ponto argumentado pelos que eram contra era o alto custo e a burocracia em mudar os papéis, documentos, placas de carros e outros bens que têm o nome “Mato Grosso do Sul”, o que seria um gasto desnecessário.
Ele diz que essa questão de um nome diferente ao do Estado vizinho poderia ter sido resolvida na divisão das unidades da federação.
“Poderiam ter colocado outro nome. Inclusive, o Estado de Maracaju nunca existiu, mas poderia ter criado um nome diferente”, relembra sobre as possibilidades que foram ventiladas na época.
O historiador se diz favorável à mudança de nome ou adoção do apelido como “Estado do Pantanal” para fazer a distinção entre norte e sul.
Essa medida também exaltaria o bioma que tem 65% da área em solo brasileiro em Mato Grosso do Sul e outros 35% em Mato Grosso, de acordo com dados da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa em Agropecuária).
“Acho muito importante usar esse adjetivo [Pantanal], tem uma força grande no mundo inteiro. Essa questão do clima, ambiental e de defesa do bioma vai aumentar. A humanidade caminha para fazer a defesa dos biomas e o Pantanal tem grande importância. Eu sou um defensor, mas não vejo como alternativa para resolver economia e emprego. É mais uma alternativa de marketing para fazer diferença para que as pessoas evitem a confusão”, argumenta o historiador.
O posicionamento não é defendido pela historiadora Alisolete Weingartner, que escreveu vários livros e trabalhos sobre a história de Mato Grosso do Sul, inclusive sobre o movimento divisionista.
Ela é contra a troca de nome ou de cognome, por entender que o nome “Mato Grosso do Sul” faz parte da identidade do Estado e argumenta que foram feitos estudos na época para essa nomenclatura.
“Agora os forasteiros que chegam sem identidade querem mudar o nome do Estado? Baseado em quê? Na realidade o Pantanal não é todo de Mato Grosso do Sul. Ele começa lá no velho Mato Grosso. O Pantanal é no Paraguai e na Bolívia”, ela argumenta.
Outro ponto defendido pela historiadora é que a luta de criação do Estado de Mato Grosso do Sul tem mais de um século. Ela relembra que os primeiros movimentos divisionistas são do século XIX, quando os fazendeiros da região sul do então Mato Grosso pediram a criação de uma nova unidade da federação por entenderem que aquela região era mais próspera.
“A luta começa em 1898. Os fazendeiros daqui da região sul tinham uma arrecadação de grana muito alta em relação ao Mato Grosso. Esse dinheiro da venda do gado e do mate ia para lá [região norte de MT] e não voltava para cá em forma de obras”, pontua a historiadora.
Alisolete Weingartner também diz que, depois da criação do Estado de Mato Grosso do Sul, a população cresceu, incluindo com a chegada de pessoas de outras unidades da federação que desconhecem a história de MS.
Ela defende que essas alterações precisam ser feitas com embasamento teórico. “A nossa população triplicou e veio muita gente que desconhece a nossa história e eles querem reescrever uma matéria sem respeitar o passado. Tem que ver quais são as pessoas que querem mudar o nome. Elas chegaram aqui quando? Depois da criação do Estado?”, ela finaliza.
Por que a confusão entre MS e MT?
E por que Mato Grosso do Sul é frequentemente confundido com o vizinho Mato Grosso, enquanto que isso não ocorre com estados com nomes parecidos como Rio Grande do Norte e Rio Grande do Sul?
O historiador Eronildo elenca duas questões que contribuem para essa confusão: a proximidade geográfica e cultural.
Enquanto o RS e RN estão a cerca de 4 mil km de distância, MS e MT são vizinhos. O estado na região Sul possui os Pampas, enquanto o da região Nordeste vive no Agreste e é frequentemente lembrado pelas praias exuberantes. Assim, os dois ‘respiraram’ culturas diferentes, enquanto as histórias de MT e MS se confundem no tempo e espaço.
“O processo de ocupação do Mato Grosso do Sul e do Mato Grosso são muito parecidos e as pessoas que ocuparam são de estados muito parecidos. Você tem nordestinos, pessoas do Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo, então esse processo de ser muito próximo ao longo da história de 500 anos e ser chamado Mato Grosso confundiu um pouco”, ele diz.
Outro ponto lembrado pelo historiador é que a divisão de Mato Grosso do Sul e de Mato Grosso, assinado pelo então presidente Ernesto Geisel em 11 de outubro de 1977, ocorreu durante o regime da ditadura militar.
“Não houve consulta pública para montar o nome diferente, tudo foi feito a toque de caixa porque era dentro da ditadura militar. Isso traz prejuízo do ponto de vista da comunicação, do marketing, mas os dois estados continuaram crescendo em seus caminhos”, pontua Eronildo.
Imagem aérea do Pantanal em período de cheia. (Foto: Reprodução, Andre Bittar)
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